sábado, 3 de agosto de 2013

Para trás mija a burra!!!!


Foto - Alfredo Cunha.

Desculpem, mas hoje estou curta, grossa, amarga e acre!
Nestas navegações no ciber espaço há coisas que têm o poder de me irritar até aos cornos da lua. O branqueamento do mal, o colocar nódoas no bem, a opacidade daverdade, a verdade paralela, a não transparência, o deturpamento da verdade, a demagogia barata e a ignorância de quem embarca em silogismos errados e em prosápia de mesa de café.
Quando me deparo com posts a branquear a acção de Adolf Hitler, tal como: se não tivesse levado uma reprovação na entrada da escola de artes, se calhar….. tal e tal,
….passo-me e aconselho que vão passar a noite na cozinha, fechem bem as janelas e as portas e liguem o gás do fogão.
Quando se branqueia a inquisição apetece-me chamar-lhes bruxos e aquecer-lhes os pés com um fósforo!
Quando se branqueia a pedofilia, aconselho a porem-se a jeito.
Quando se pensa na crise actual e se branqueia Salazar e o Estado Novo e o antes é que era bom, sinto que as pessoas têm memoria bem curta ou não viveram no mesmo país que eu. Por vezes é necessário recordar detalhes que fazem toda a diferença.
Eu vivi numa aldeia de Tras-os-Montes apenas durante 5 anos da minha infância, em metade da década de 60, rodeada de mimo, mas atenta às casas dos vizinhos, e passo a descrever para ver se nos entendemos:
- A refeição normal de peixe era constituída por chicharro frito ou sardinha com broa. A mãe normalmente escolhia a cabeça e repartia o resto em pequenas porções que distribuía por uma bando de filhos famintos. (no coments)
- Quando pretendiam ir à cidade mais próxima, que era mesmo próxima, 17km, tratar de algo urgente, iam e voltavam a pé, pelo meio da serra, por meio de atalhos e trabalhos, cruzando-se por vezes com lobos. 17+17=34 . No bolso levavam o lanche: uma côdea de pão. (no coments)
- As ruas da aldeia eram o deposito sanitário para onde escorriam os dejectos de algumas casas. Cobriam-se com caruma dos pinheiros e viravam estrume que ai ficava a curtir diversos meses. Febre tifoide, hepaties , gastroenterites não existiam. Morria-se e pronto! (no coments)
- Hospital havia de empréstimo de uma misericórdia, que funcionava mal. Quem necessitava de um médico, pagava. Não havia comparticipações nos medicamentos, nem serviço nacional de saúde, nem genéricos, nem, nem, nem…(no coments)
- Leite para as crianças? Onde? Quem tivesse possibilidade tinha uma cabra para dar leite. O leite das vacas destinava-se à alimentação dos bezerros para trabalhar na lavoura. (no coments)
- Brigava-se e matava-se na disputa das águas para regar os campos. (no coments)
- A maioria dos homens tinha a 3ª classe e as mulheres nem isso. (no coments)
- Cozinhava-se no chão e pedia-se o lume ao vizinho para não gastar um fósforo. (no coments)
- O aquecimento central era feito pelas vacas que moravam no piso inferior da habitação e fazia-se com a fermentação dos dejectos dos animais. Urina quente, fezes quentes, e vapores do respirar, infiltravam-se através das juntas do soalho e aqueciam as habitações. (no coments)
- A maioria das casas não tinha quarto de banho. Tinha um buraco a imitar uma sanita turca com uma tampa e um lavatório de ferro e esmalte. Banho não existia. (no coments)
- Duas vezes por dia as mulheres carregavam na cabeça o caneco da água. Eu não escrevi cântaro. Escrevi CANECO. Não sei bem, mas um caneco deveria levar para ai 25l de água. Iam buscar a agua à fonte e carregavam para casa, para poder cozinhar, lavar etc.(no coments)
- Não havia papel higiénico e jornal também não. (no coments)
- As camas tinham uma estrutura de ferro e eram pequenas. Normalmente numa cama dormiam sempre mais de 2 pessoas. Havia os que dormiam para cima e os que dormiam para baixo, aquecendo-se e também porque não havia outras camas.(no coments)
- Os colchões não eram ortopédicos, eram enchidos com palha… duros…. A palha tinha que ser removida periodicamente. E as almofadas eram cheias também de uma fibra, que já não lembro o nome. (no coments)i
- Fraldas descartáveis não havia. Havia uns panos onde se embrulhava o rabo dos miúdos. Mijavam-se e quando os adultos tinham tempo, trocavam o pano, e secavam-no num enxugador, para poupar uns gramas de sabão. Quando as crianças começavam a andar, tiravam-lhes as fraldas e vestiam-lhes umas calças abertas no rabo para as fezes saírem, fizesse frio ou calor ou estivesse a nevar. (no coments)
- Calçavam-se sapatos no dia de festa. Normalmente andava-se descalço ou calçava-se umas socas que deveriam ser poupadas durante meses e até anos. (no coments)
- Azeite era para temperar a sopa nas casas mais abastadas. As batatas regavam-se com um pouco da água da sopa.(no coments)
- Para passar a ferro era necessário fazer brasas e colocar dentro do ferro de passar. (no coments)
- Electricidade não havia. Havia candeias, petromax, candeeiro de petróleo…. Frigorifico???? Naaaaa. Existia uma salgadeira para conservar carne, e as bebidas colocam-se em lugar fresco. (no coments)
- Era preciso ir comprar sal ao Porto ou a outro sitio mais perto. Junguia-se os bois e faziam-se ao caminho. Demoravam-se dias até completar essa tarefa. (no coments)
- O vinho fazia-se em casa com inúmeras tarefas a realizar até o liquido sair da pipa. Alguém já viu a lavagem de um tunél???? Sabem o que é claustrofobia? (no coments)
- Os velhos sem famila, eram vehos sem família, eram velhos sozinhos até morrer. Não havia lares, nem assistência domiciliária.. (no coments)
- Extraiam-se dentes no barbeiro, não se tratavm dentes. (no coments)
- Quando se enloucava, enloucava-se de vez. (no coments)
- As roupas passavam de ricos para pobres e depois de um para o outro ate não servir ou ate se romper. (no coments)
- Quando as dores de parto apertavam, a epidural era um ou dois cálices de aguardente.
Paria-se de manhã e já se trabalhava à tarde, as mais mimadas tinham uma vizinha que lhe fazia um chá ou uma canja de galinha. (no coments)
-O filho que tivesse uma mãe que não pudesse amamentar tinha os dias contados para o corredor dos anjinhos. E havia muitos anjinhos. Acompanhei muitos ao cemitério e segurei em alguns. (no coments)
- Os mancebos quando chegavam à idade que tinham força e vigor de homens, iam lutar para outro continente. (no coments)
- A fruta roubava-se. Existiam pouquíssimas árvores de fruta e quem as tinha que as guardasse. (no coments)
- Na escola não havia cadernos. Havia uma palmatória, lousas meio partidas e bons puxões de orelhas. Apagava-se a lousa, cuspindo-lhe e passando a manga sebenta da camisola. Aquecimento não havia, nos anos áureos dos 60, cada aluno em cada dia, levava uma braseira para aquecer a professora. Lá não havia instalação sanitária, as crianças iam ao monte. (no coments)
- Durante o inverno as mãos das crianças eram chagas de cieiro. (no coments)
- Ninguém tinha férias., muito menos subsídios (no coments)
- Havia mendigos a pedir de casa a casa. Pediam uma tijela de caldo. (no coments)
- As crianças começavam a trabalhar mal começavam a andar.(no coments)
- Quando caia uma tromba de água ou uma trovoada que estragava a gricultura não se vinha para a televisão reclamar com o IFADAP. Rezava-se a Sta Bárbara e queimava-se um ramo de oliveira. (no coments)
- Cozia-se o pão num forno de lenha com porta betumada com cáca de boi. (no coments)

Há mais, mas fico por aqui. Este era o tempo do Salazar e já na recta final.

Conclusão: lutem sempre por um mundo melhor, onde o Homem esteja acima do capital. Não suspirem pelo Salazar. Para trás mija a burra!!!!
AQ

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

QUADRAR A RODA


Concepção, Encenação e Interpretação
Jens Altheimer
Concepção e construção das máquinas
Nicholas von der Borch
Desenho de luz
Jochen Pasternacki
Sonoplastia
Sérgio Henriques
Apoio ao texto
Miguel Castro Caldas
Produção
Loucomotivo — Associação Novo Circo
Um espectáculo circense-maquinal Espectáculo de novo circo que cruza dispositivos metálicos com a manipulação de bolas, máquinas obstinadas com movimentos frenéticos e efeitos especiais artesanais com um frágil universo pessoal, tanto teatral como físico.
27-Fev Pequeno Auditório 22:00

sábado, 21 de fevereiro de 2009

O último imperador


Pelo
Ballet Clássico da Manchúria (China)
Música
Dmitri Shostakovich e Pyotr Ilyich Tchaikovsky
Coreografia
Ivan Cavallari
Direcção
Wang Xunyi
50 bailarinos contam a história que foi imortalizada no filme de Bernardo Bertolucci O Ballet Clássico da Manchúria (Liaoning) converteu-se numa das mais importantes companhias de ballet da China. O seu trabalho, que harmoniza o ballet clássico com as tradições chinesas e foi inúmeras vezes premiado em todo o mundo, assenta também em colaborações com prestigiadas companhias da Europa e dos EUA. Esta produção de “O Último Imperador” conta com cerca de 50 bailarinos. A história, que foi imortalizada no filme de Bernardo Bertolucci (vencedor de nove Óscares), retrata a saga de Pu Yi, último imperador da China, investido com apenas três anos. Pu Yi viveu enclausurado na Cidade Proibida até ser deposto pelo governo revolucionário, aos 24 anos.
21-Fev Grande Auditório 22:00
Quem se esqueceu.....PERDEU!
.... e temos uma portuguesa a dançar neste espectáculo.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Mamâ



Criação
Peripécia Teatro
Interpretação
Noelia Domínguez e Luís Filipe Santos (clarinetista)
Construção de marioneta
Manuel Costa Dias (Trulé)
Supervisão de manipulação
Manuel Costa Dias (Trulé)
Direcção
Ángel Fragua
Co-Produção
Peripécia Teatro e Teatro de Vila Real
Este é um espectáculo que pretende dar à luz um humor universal, belo, louco, absurdo e terno. Uma bailarina de cabaret encontra-se de esperanças, mas em situações desesperantes. É assolada por um músico que ora a persegue ora dela se escapa, guiando-a pela narrativa da sua própria gravidez. Depois do resultado positivo do teste de gravidez, a bailarina vê a sua vida profissional e pessoal transformada numa sequência de acontecimentos que se encaixariam sem dificuldade em qualquer película cómica do cinema mudo ou num palco de salão de vaudeville. São circunstâncias vividas pela grande maioria das grávidas de todo o mundo: os momentos de paixão, os problemas no trabalho, a dificuldade em arranjar dinheiro para médicos, roupa, biberões, os pesadelos provocados pela ansiedade e o momento em que a alegria e a dor se juntam para as tornar definitivamente mamãs.
20-Fev Pequeno Auditório 22:00

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

PONTE MEDIEVAL DE IZEDA


Fotos de Abel M. Queirós

ponte (...) “romana”, a Ponte de Izeda, alçada sobre o rio Sabor entre esta freguesia e a vizinha Santulhão (esta já pertencente a Vimioso), é um magnífico exemplar de arquitectura pontística, com seus múltiplos arcos e perfil “em cavalete”. Dotada de quatro talha-mares (que sobem até à altura do fecho dos arcos, mostrando um perfil arredondado a montante e agudo nos voltados e jusantes), a estrutura de alvenaria, em rocha xistosa da região apresenta um amplo arco central bastante aberto e mais quatro outros arquetes (dois de cada lado), estes já levemente apontados e de tamanhos desiguais. Sendo uma construção de fábrica inequivocamente baixo-medieval, esta ponte mostra-se estreita e dotada de guardas, sob a forma de muretes de topo abaulado).
Fonte: Câmara Municipal de Bragança

XXIXª FEIRA DO FUMEIRO


29º Feira do Fumeiro de Vinhais
5 de Fevereiro 2009
Uma cultura gastronómica única em Portugal e a inigualável qualidade dos produtos fazem do Concelho de Vinhais a Capital do Fumeiro, levando a autarquia a uma empenhada e cuidada promoção da "Feira do Fumeiro" que ano após ano se realiza no segundo fim-de-semana de Fevereiro.
A Feira do Fumeiro de Vinhais é um evento que se realiza desde 1981, sendo que esta já é a 29º edição do certame que decorre do dia 5 a 8 de Fevereiro.
Participam na feira mais de 130 produtores de fumeiro, dos quais vinte são Cozinhas Regionais de Fumeiro e cinco são indústrias, mas todos eles primam por apresentar um fumeiro de excelente qualidade, confeccionado a partir de porcos autóctones da região. Salpicões, chouriças de carne, butelos, alheiras, chouriços azedos, chouriças doces e presuntos, são os produtos que podem encontrar no Pavilhão do Fumeiro, todos eles com marca de Certificação atribuída pela União Europeia, como Indicação Geográfica Protegida (IGP).
Mas mais do que comprar o genuíno Fumeiro de Vinhais, feito com a carne do porco de raça bisara, podemos também degustá-lo numa das muitas Tasquinhas existentes no recinto da feira e que confeccionam apenas pratos regionais. Também os restaurantes oficiais da feira optam por estas ementas e assim se realizam as Jornadas Gastronómicas.
A feira conta com um vasto programa de actividades, nomeadamente, exposições, concursos e espectáculos de animação com grandes concertos de música portuguesa à noite e durante o dia com Festival de folclore, Festival de Bandas de Música e actuações de pequenos grupos locais.
www.feiradofumeiro.com

Olaria de Bisalhães


«A olaria [de Trás-os-Montes], arte incomparável, dotada de memória admirável, que mantém sem estampas, sem guia, vivendo ao desamparo, com uma simples iniciação patriarcal na família, as mais puras tradições de uma arte ancestral que enfeitiça e seduz o crítico mais exigente».
Joaquim de Vasconcelos, 1908

Inaugura-se no próximo dia 4 de Fevereiro, pelas 21h30, no Museu da Vila Velha a exposição “Olaria de Bisalhães: rostos de barro preto”.

Esta exposição é um dos elementos de um projecto abrangente, realizado em parceria entre o Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real, o Museu de Alberto Sampaio (Guimarães) e o Museu de Olaria (Barcelos), sendo comissariada pelos directores das três instituições.
O projecto inclui, para além da já referida exposição, a realização de um videograma, a aquisição de colecções de olaria, a sua inventariação e estudo e, ainda, a edição de um caderno de exploração pedagógica, material de divulgação e de um catálogo bilingue.
“A louça preta de Bisalhães/The Black Pottery of Bisalhães” é o título da obra que inclui texto de Isabel Fernandes (Directora do Museu de Alberto Sampaio), catálogo de peças elaborado por Patrícia Moscoso, e análise química de louça por Fernando Castro. Trata-se de uma co-edição entre os municípios de Vila Real e de Barcelos.
A exposição ficará patente até o dia de São Pedro, data emblemática para Vila Real e de importância significativa para a olaria de Bisalhães.

Ainda há pastores?


O Núcleo Regional da Quercus de Vila Real promove, com o apoio do Museu da Vila Velha, um ciclo de cinema relacionado com o Mundo em que vivemos.

Assim, decorrerá no próximo dia 7 de Fevereiro, pelas 15 horas, a terceira "Sessão de Inverno" (um ciclo que propõe a todos os interessados a exibição de um filme ou documentário, a que se seguirá um momento de debate, que se pretende dinâmico e cativante), dedicada ao filme "Ainda há pastores?", de Jorge Pelicano.

A entrada é livre, esperamos por si.

(clique
aqui ou na imagem para a ampliar).

Intercâmbio ciêntifico e cultural


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

História da gancha de S. Brás





As Ganchas de S. Brás são uma espécie de rebuçado, também originários de Vila Real. De cariz popular, a lenda tem como protagonista S. Brás, bispo do séc. IV, orago dos sofredores, dos males do foro oral e otorrino.

Conta-se então, que o santo fez o milagre de curar, apenas com as mãos, uma criança que agonizava com uma espinha atravessada na garganta, sendo a partir daqui venerado como protector.

A Gancha está sujeita a várias interpretações, pode ser encarada como o ícone do báculo bispal, como espátula para chegar até à garganta, como artifício para facilitar o lidar com as crianças enfermas, como uma espécie de remédio balsâmico, com mel, ervas e outros unguentos, para aliviar a garganta.

A 3 de Fevereiro celebra-se uma festa, em sua honra, na capelinha de S. Dinis, em Vila Real. A tradição da dualidade Pito - Gancha, estabelece-se e a retribuição acontece.

Um misto de cunho histórico e de brejeirice são ingredientes que cozinham delícias doces, para almas doces!

sábado, 17 de janeiro de 2009

Homenagem a Miguel Torga

Em Maio de 2007 guardei dezenas de fotos nos meus arquivos sobre Miguel Torga, e agora chegou a hora de partilhar algumas, neste blog. As fotos referem-se a uma exposição bio-bibliográfica inédita sobre o autor transmontano, que mostrou, pela primeira vez, um conjunto notável de documentos e de objectos do escritor nunca antes expostos, como, por exemplo, material iconográfico e escultórico, documentos pessoais, as primeiras edições dos livros do autor, alguns dos raríssimos manuscritos de poemas e de contos, cartas e depoimentos do escritor em suporte áudio e vídeo.





























sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O CAÇADOR



O CAÇADOR
Miguel Torga

"Os Novos Contos da Montanha"

Trôpego, o Tafona já não chegava às perdizes da Cumieira. Por isso, arrastava-se até Pedralva e caçava de espera. Caíam rolas no cedo, uma lebre ou outra pelo ano adiante, e coelhos quase sempre. No defeso, fornecia a casa e a barriga sem fundo do compadre Frederico; no tempo da permissão, vendia-lhe a Joana Benta as cabeças na Vila.
- Veja vossemecê... - dizia ele, a contratar o preço. - Eu sei lá!...
Com oitenta e cinco anos, a vida fora-lhe sempre estranha como se a não tivesse conhecido. Casara, tivera filhos, mas nada disso o tocara por dentro. Virgem e selvagem na alma, continuava a caçar, e só embrenhado entre giestas e urgueiras é que ouvia, se ouvia, os clamores da mulher e o ganido das crias.
Saía cedo, sempre supersticioso das menstruações da Camila, a vizinha do lado, que lhe mudavam a direcção do chumbo, e regressava altas horas da noite, colado ao granito das paredes, e assim escondido dos olhos curiosos da povoação.
- Por onde andaste?
- A pobre da Catarina, a princípio, ainda tentou encontrar naquele destino pontos de referência em que pudesse firmar-se. Mas as respostas vinham tão vagas, tão distantes, que se atirou às leiras e deixou o homem às carquejas. Não era que ele mesmo enredasse os caminhos e despistasse conscientemente a companheira. As peripécias da caça e a cegueira com que galgava os montes é que o impediam à noite de relatar o trajecto seguido. Se quisesse e soubesse dizer por que trilhos passara, falaria de veredas e carreiros que nunca conhecera, descobertos na ocasião pelo instinto dos pés e rasgados no meio de uma natureza cósmica, verde como uma alucinação, com alguns ramos vistos em pormenor, por neles pousar inquieto um pombo bravo ou se aninhar, disfarçada, uma perdiz. Ás vezes até se admirava, ao regressar a casa, de tanta bruma e tanta luz lhe terem enchido simultaneamente os olhos. Serras a que trepara sem dar conta, abismos onde descera alheado, e um toco, um raio de sol, o rabo de um bicho, que todo o dia lhe ficavam na retina. É claro que nem sempre as horas eram assim. Algumas havia de perfeita consciência, em que nenhum pormenor da paisagem lhe escapava, as próprias pedras referenciadas, aqui de granito, ali de xisto. Mas, mesmo nessas ocasiões, qualquer coisa o fazia sonâmbulo do ambiente. Era tanta a beleza da solidão contemplada, despegava-se das serranias tanta calma e tanta vida, os horizontes pediam-lhe uma concentração tão forte dos sentidos e uma dispersão tão absoluta deles, que os olhos como que lhe abandonavam o corpo e se perdiam na imensidão. Simplesmente, essa diluição contínua que sofria no seio da natureza não excluía uma posse secreta de cada recanto do seu relevo. Uma espécie de percepção interior, de íntima comunhão de amante apaixonado, capaz de identificar o panasco de Alcaria pelo cheiro ou pelo tacto. A caça fora a maneira de se encontrar com as forças elementares do mundo. E nenhuma razão conseguira pelos anos fora desviá-lo desse caminho. A meninice começara-lhe aos grilos e aos pardais, a juventude e a maioridade passara-as atrás de bichos de pêlo e pena, e agora, velho, as contas do seu rosário eram meia dúzia de cartuchos que, sentado, ia esvaziando no que aparecia. E a vida, a de todos os dias e de toda a gente, com lágrimas e alegrias, ambições e desalentos, ficara-lhe sempre ao lado, vestida de uma realidade que não conseguia ver. A aldeia formigava de questões e de raivas, e ele coava-lhe apenas a agitação de longe, vendo-a fumegar na distância, ao anoitecer, e acariciando-a então num cansaço doce e contemplativo.
- Casou a Dulce...
- Ah, sim?...
Ouvira, de facto, imprecisamente, a voz do sino grande chegar repenicada e festiva ao Falição, mas o seu espírito não pudera nesse momento, nem podia agora, descer da nuvem de abstracção que o envolvia.
- Muito bonita ia o demónio da rapariga!
Humana, mulher, a Catarina tentava chamá-lo a uma consciência que reanimasse fogueiras mortas, sonhos desfeitos. Nada. O pensamento dele não estava ali: perdia-se nos projectos do dia seguinte, já cheio do rumor alvoroçado do bando de perdizes que sabia ir levantar da cama ao romper da manhã.
- Morreu a Palhaça...
- Ah, morreu?
E continuava a dar à manivela do rebordador, encontrando no cartucho, túmido como uma semente, não sabia que verdade mais profunda e mais transcendente do que aquela morte.
A velhice e o reumatismo tentaram com toda a brutalidade metê-lo noutros varai. Mas ele lutava, e, embora limitado às cercanias da aldeia, continuava ainda a sonhar.
Contudo, sem a liberdade absoluta dos longes, o seu espírito já não podia voar como dantes. A povoação ficava-lhe demasiado perto para lhe ser possível um alheamento como o de outrora. E os olhos, cansados e traídos, começaram a mostrar-lhe o mundo triste dos outros. Contra vontade, observava, então. Mas em casa, à noite, a mulher punha o acontecido a uma luz tão desconforme com o que ele vira, tão alheia à sua compreensão, que fechava a boca e não respondia.
- Os Canedos berraram...
- Eu vi...
- A cunhada chamou curta à Ana... O que ouvira eram gritos, evidentemente, insultos, com toda a certeza, mas nomes assim... E uma tristeza muda apertava-lhe o coração.
- Um roubo em casa do Antunes...
- Bem me pareceu...
- Batatas, trigo, muita roupa, um presunto...
Quase que surpreendera o Rodrigo e a mulher com a boca na botija, e sabia que não, que o que esconderam na mina velha, e pudera examinar à vontade, era uma sombra daquilo. De maneira que cada vez se metia mais consigo, com medo do vidro de aumento que deformava tudo e envenenava os sentimentos. Porque uma coisa sabia ele: é que quase um século de caça não lhe endurecera nem lhe empeçonhara a alma. Matara, sim, e matava ainda, se podia, mas não era com ódio, a gritar maldição, que o tiro partia. Mais amorosamente do que mortalmente, o dedo premia o gatilho. E quando, a seguir, a lebre esperneava ou a codorniz gemia, a sua mão aligeirava docemente aquela agonia, numa carícia aveludada. Entre o sangue de perdiz morta - que através do cotim da calça, morno, lhe acordava a consciência da pele - e o seu próprio sangue, não havia o muro de nenhuma desarmonia. A morte que a arma fazia tinha no mesmo instante uma ressurreição dentro dele.
Mas a aleluia do formigueiro humano que o rodeava era outra.
- A Rosária a falar em moralidade! Se reparasse na filha...
- A Matilde? que fez ela?
- Nem tu sabes!
Palavra, que não sabia. Atravessara os anos como um duende, puro, alheio à raiva e à ganância, inocente, pronto a comover-se diante da primeira flor. Uma virtude, sobre todas, conservara sempre: a da lisa naturalidade. E por isso, no meio da incapacidade que sentia para entender o tecido de razões com que era feito o mundo que o cercava, a malha que menos o prendera era aquela onde se debatiam forças e gestos de amor. O cio, a brisa de sémen que agitava todos os seres vivos durante alguns dias em cada ano, sabia-lhe à frescura de uma onda sagrada. Então, oleava e arrumava a arma, e os seus olhos, de caçador ainda, seguiam a revoada do casal de melros, o trajecto de um coelho, as pegadas da raposa, mas para os acompanharem comovidos naquela dádiva sensual e procriadora.
Infelizmente, só ele é que entendia de uma maneira assim inocente as coisas que tinham intimidade de ninho e calor de seiva. Porque a aldeia, que olhava compreensivamente as reses alevantadas, diante de uma rapariga cega de amores erguia-se como se visse um crime.
- Ela e o Avelino parecem cães à cainça.
- E que mal há nisso? Maiores e vacinados, que tinha que ver o mundo com o que o corpo lhes pedia? Mas os pais, aqui-del-rei que os enforcavam se olhassem sequer um para o outro, e a terra inteira aplaudia. Acontecia ainda que o Travassos, todo lá da mãe da rapariga, punha em semelhante martírio a sombra de uma perseguição.
De fora, mas infelizmente não de tão longe como desejava, o Tafona assistia à cena. Sentado à sombra da nogueira molar, e perto da poça onde vinham beber, esperava as rolas. E lá em baixo, na veiga, o seu olhar cansado ia acompanhando a comédia. A cachopa, de molho à cabeça, a passar na Silveirinha; o rapaz a deixar a rabiça na lavrada e a sair-lhe ao caminho; e o esqueleto de o Travassos, abelhudo e ciumento, a correr a avisar as famílias.
Via e ficava a malucar naquilo, no contra-senso de tudo e de todos. Pois não seria melhor, mais justo, mais humano, deixá-los juntarem-se livremente, à lei da natureza? Contudo, daí a nada, a rapariga ia a toque de caixa pelo Teixo abaixo, e o rapaz retomava o arado a ouvir berros do pai.
- Uma pouca-vergonha... - recomeçava a Catarina à noite, depois do caldo.
- O quê?
- O que há-de ser? A Matilde e o Avelino... Se não o Travassos...
Calou-se como de costume. Decididamente, cada vez entendia menos tal mundo.
Mas as pernas atraiçoavam-no miseravelmente, e embora quisesse fugir para muito longe, tinha de se resignar às leis da idade e caçar de emboscada coelhos pacatos na vinha velho do prior.
Era um Setembro puro. Videiras que pareciam cedros e cachos com bagos como bugalhos. Manco, o Tafona, foi-se arrastando e ainda a tarde vinha a cair além-Doiro já ele estava no seu posto, sentado, imóvel e silencioso, com a arma engatilhada sobre a coxa.
Como habitualmente, quase nem respirava. Por muito inocentes que fossem os láparos, farejavam ruído a cem léguas. E o Tafona, conhecedor daqueles ouvidos, apertava os pulmões.
A espera nunca lhe dava inteira paz de espírito. Forçava-o a uma espécie de compromisso com a parte traiçoeira da vida, estremando os campos do agredido e do agressor. Entre ele e o bicho não havia, daquela maneira, um verdadeiro encontro, um embate de forças. Tudo se passava sem alegria e sem eco, choque abafado, como o de uma pinha aberta a cair no musgo.
Subitamente começou a sentir sons indistintos. Prestou atenção. Passos. Passos de gente, e grande.
- Bolas! - disse, sem abrir a boca. De facto, perdera o tempo. Para que tudo retomasse a quietude inicial e os coelhos se resolvessem a vir gozar a fresca, seriam precisas horas, e então já não teria luz.
Os passos eram da Matilde, sorrateira, a saltar um bardo e a sumir-se na vinha.
- É boa!... - murmurou outra vez intimamente, agora noutro tom.
Mas ainda o seu espanto não acabara, já o Avelino, do lado do monte, lépido, deslizava para o meio da ramagem.
Riu-se. Desta vez riu-se com a sua mansidão habitual, sem barulho, enternecidamente, como se estivesse nos velhos tempos e visse no azul do céu dois pintassilgos a voar para o mesmo ninho.
Infelizmente, os namorados a desaparecerem, e sobre eles, de nariz no rasto, numa perseguição de rafeiro, o Travassos que, por acaso, caminhava direito à arma do caçador.
O Tafona nem teve tempo de pensar. Parou a respiração e encolheu-se quanto pôde atrás do esconderijo.
O abelhudo vinha apressado e chegou a tiro.
- Alto lá! - ordenou-lhe então, sereno, mostrando o corpo.
O Travassos estacou, apalermado. Por fim viu quem era e falou-lhe:
- Sou eu, ó ti Zé!
- Bem sei. Mas não te mexas.
- O Travassos, ti Tafona. Deixe-me ir salvar a infeliz!
A tremer e de olhos esgazeados, o zeloso coscuvilheiro não conseguia perceber. Mas o Tafona tinha-lhe friamente a espingarda endireitada ao peito, e ninguém da aldeia confiava na alma solitária do caçador.
- Alto, e nem tugir nem mugir! Aquelas coisas querem-se na paz do Senhor.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Debate turismo


Com a intenção de analisar a evolução turística da cidade de Chaves, teve lugar no Pólo local da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) um debate organizado pelos alunos do 1º ano do curso de Turismo, com a colaboração e apoio de Xerardo Pereiro e Isabel Costa, no âmbito da disciplina de Teorias e Métodos de Investigação. De forma a conseguir uma maior informação acerca do tema, estiveram presentes duas convidadas, nomeadamente Maria de Lurdes Campos, vereadora do Turismo da Câmara Municipal de Chaves, e Manuela Carvalho, empresária no sector da restauração nesta cidade, que deram contributos fundamentais ao debate.

Em destaque estiveram os factores que tendem a proporcionar o desenvolvimento turístico em Chaves e os principais pontos de atracção turística, nomeadamente as termas, alguns hotéis, a gastronomia presente em muitos bons restaurantes do concelho e, ultimamente, a melhoria das vias de comunicação. Lugar de realce foi reconhecido ainda à história da cidade, em constante processo de (re)descoberta.

Com a ajuda das convidadas presentes no debate, foi possível identificar também alguns pontos mais débeis do Turismo em Chaves e sugeridas formas de os minimizar. Por exemplo, foi posta em evidência a necessidade de criar outros atractivos para os turistas de camadas mais jovens.


fonte: Noticias de Vila Real

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Festas são as de Natal


Na quadra do Natal entra-se no ciclo dos doze dias solsticiais, com o expoente máximo das festividades mais autênticas: as festas dos rapazes, de Santo Estêvão, do Menino, do Ano Novo e dos Reis.

Estas festividades sucedem-se um pouco por todo o Nordeste Transmontano, cristalizando vidas de ritos ancestrais, apenas com algumas variantes de terra para terra. De facto, a comunidades rurais do Nordeste comungam vários traços, nomeadamente, os mascarados, os moços, um “rei” e dois “vassais”, os mordomos, os gaiteiros e ao tamborileiros; a participação da população; a associação e integração de rapazes no contexto festivo; a refeição colectiva; as provas de resistência física, a ronda ou visita aos moradores da aldeia, os peditórios e as ofertas ao santo; as sanções sociais: comédias e loas (são discursos satíricos, de crítica social, que têm por finalidade pôr a nu condutas individuais ou sociais) e a musculada galhofa. Durante este período, os rapazes solteiros dirigem a vida na aldeia.

A festa, com origem nos rituais pagãos do solstício de Inverno, celebra o início de um novo ciclo agrícola, com os dias que começam a ficar mais longos, e, para a rapaziada significa também a passagem para a idade adulta.

A festa começa logo de madrugada, com o gaiteiro que acorda toda a aldeia com a sua gaita-de-foles. Os mordomos, responsáveis pela organização da festa, percorrem as ruas visitando todos os vizinhos. Depois, aparecem os “Caretos”, criaturas estranhas vestindo trajes bizarros, com chocalhos e fitas penduradas, e exibindo máscaras diabólicas. Dançam, pulam, rodopiam e fazem uma enorme algazarra. Hoje tudo lhes é permitido e, por detrás da máscara, que lhes protege a identidade, cometem os maiores impropérios, assustam as criancinhas e atormentam todos os presentes, se bem que as raparigas são sempre os alvos preferidos. Só são carinhosos com os mais velhos. Sem qualquer cerimónia, invadem as casas onde roubam chouriços, morcelas, carnes de fumeiro, figos secos e pão para juntar à festa. Reunidas todas as iguarias, passa-se ao banquete arrojado.

“O esoterismo da cultura transmontana… as grandes fogueiras do Natal… o louvor ao Sol… o pagão da antiguidade e o cristão do Nascimento”Apesar das tradições de Natal em Trás-os-Montes se terem também adaptado aos tempos modernos, muitos outros símbolos da época natalícia se mantém ainda nesta região. Um exemplo disso são as “murras” ou as fogueiras de Natal.

A “murra” é um gigantesco canhoto de carvalho, castanho ou negrilho que arde noite fora no largo principal de algumas das aldeias trasmontanas e representa a coesão de uma comunidade rural, que festeja na rua o verdadeiro sentido do Natal.

Crianças, adolescentes, adultos e idosos convivem pela noite dentro à volta das fogueiras, consolados pelo calor das conversas e pela desmedida comida e bebida. Na verdade, só é feito um intervalo para assistir à “Missa do Galo” ao som da meia-noite.

Segundo Alexandre Parafita, em aldeias do concelho de Miranda do Douro, o empenho em arranjar um cepo enorme era tal, que chegava a haver fogueira para quatro dias.Por seu turno, no concelho de Mogadouro, o bocado que sobrasse da noite de Natal era feito em cavacos e vendido. Em Vinhais guardam-se os tições do Natal para todo o ano, pois, segundo a tradição, onde o fumo chegar não caem raios ou faíscas.

Em suma, as fogueiras de Natal são um dia único no ano, pois esquecem-se desavenças, as pessoas unem-se na procura de grandes troncos, rivalizam pela grandiosidade da fogueira com outras terras e apanham-se muitas bebedeiras, apreciadas pelas igrejas do dia seguinte.
Por:
Rui Estevinho

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Roupa velha


Roupa velha, prato normalmente confeccionado no almoço de Natal com os restos de bacalhau e couve da refeição da consoada.
Em Justes, havia muita famílias que comiam a roupa velha já na consoada. Herdei essa tradição. Porque seria? Só encontro uma explicação: numa comunidade pobre como era Justes antes da 2ª guerra, quem se daria ao luxo de abastecer a consoada com grandes postas de bacalhau? Provavelmente a dose de bacalhau da consoada seria repartida por várias refeições, com artificio da mistura da couve, que qualquer um cultivava no seu pedaço de terra.



Preparação:
Cortam-se aos bocadinhos a couve, o bacalhau e as batatas que sobraram da consoada.

Picam-se alguns dentes de alho e alouram-se em azeite.

Juntam-se as couves, o bacalhau e as batatas, mexe-se e deixa-se ao lume apenas o tempo necessário para aquecer bem.

sábado, 20 de dezembro de 2008

MY BLUEBERRY NIGHTS - o sabor do amor

De
Kar Wai Wong
Intérpretes
Norah Jones, Jude Law, David Strathairn, Rachel Weisz e Natalie Portman
País de origem
China (Hong Kong) / França
Ano
2007
Género
Do realizador de “Disponível para Amar”, esta é a história de uma mulher que após um desgosto amoroso parte numa viagem pela América. À medida que as suas feridas vão sarando, as experiências da viagem e o encontro com estranhos levam-na a novos e inesperados capítulos da sua vida, que a poderão reconduzir ao amor. Duração: 90 minutos Cineclube. Cinema sem pipocas.
Organização GACU / Teatro de Vila Real
22-Dez Pequeno Auditório 22:00

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

DIE MIMUSEN


Algures entre Buster Keaton e Mr. Bean, entre o mimo e o clown, os Mimusen (Alemanha) perseguem-se no palco a uma velocidade de fazer partir o pescoço ao espectador. Excêntricos e adoráveis, com um humor inteligente e poético e um sentido de timing de tirar a respiração, Klaus Franz e Marc Bockemühl trazem para o palco uma nova forma de comédia visual. O seu trabalho lembra-nos os anos vinte e os tempos do cinema mudo. Têm realizado espectáculos por toda a Alemanha e pela Inglaterra, Holanda, França e Estados Unidos.
19-Dez Pequeno Auditório 22:00

domingo, 14 de dezembro de 2008

Pitos

Ao contrário da maioria da doçaria regional que teve berço "conventual" os pitos, que a tradição manda comer no dia de Santa Luzia, tiveram criadora de origem rural e humilde, na aldeia de Vila Nova, em Vila Real, embora de "fábrica" igual à daqueles.

Foi uma moçoila dali que os "inventou" quando foi servir para o Convento de Santa Clara, onde tomaria o hábito depois dum noviciado entre a cozinha e o apoio aos pobres e doentes a que a Ordem, na sua misericórdia e caridade infinitas, dava guarida de hospital.
Maria Ermelinda Correia, de seu nome de baptismo, depois irmã Imaculada de Jesus, era deveras gulosa. Foi este defeito que levou a família a pedir a graça da clausura na esperança de lho transformar em virtude.Conhecendo-lhe o "pecado", a penitente abstinência que lhe impuseram foi por isso mais forte, e por tal mais redentora, o que lhe agravava o mal e aumentava o padecimento. Na resignação e força da fé lá resistiu às investidas dum estômago ávido de coisas boas e doces. Não tinha acesso às muitas iguarias que se faziam no Convento, pois eram feitas mais para fora e para as mesas de festa das irmãs regulares.
E se no intervalo dum silêncio de "regra" conventual falava de doces, a resposta de advertência era sempre a mesma: "nem vê-los", dizia-lhe a madre superiora.Na sua inocência, e começando a percorrer os caminhos da Fé e da Doutrina para o noviciado, tornou-se devota acérrima de Santa Luzia, orago dos cegos e padroeira das coisas da vista.
Não se sabe hoje ao certo o tempo e a razão desta arreigada crença. Os documentos consultados não o registam com evidente certeza. Tanto pode ter sido porque a madre superiora via muito mal, capacidade agravada na escuridão da clausura conventual, ou pelo agradecimento da ideia que lhe ocorreu para conseguir satisfazer, nos amargores do pecado, a doçura dos momentos escondidos.
Foi assim que os pitos de Santa Luzia lhe foram consagrados, e como tal testemunha a festa que ainda nos dias de hoje, a 13 de Dezembro, na capela de Vila Nova às portas da cidade, mantém a tradição.
E como apareceram os pitos?
A ainda Ermelinda, aspirante a irmã Imaculada de Jesus, tendo ouvido a história do Milagre das Rosas, ao orar a Santa Luzia teve uma visão que lhe aplacou a alma num milagre de doces esperanças.
Naquela manhã fizera o curativo a uns quantos enfermos. Na maior parte dos casos foram feridas, contusões e inchaços nos olhos. O remédio daquele tempo eram os "pachos de papas de linhaça".Eram uns quadrados de pano cru onde se colocava a papa, dobrados de pontas para o centro para não verter a poção. A pequena "almofada" era depois colocada, como um penso, no ferimento.
Foi a sua redenção. Correu à cozinha e fez uma massa de farinha, pois a pouco mais tinha acesso, e cortou-a em pequenos quadrados. Não tinha doce mas, tendo guardado religiosamente o cibo de açúcar que lhe cabia em ração, fez uma compota de calondro (abóbora). O tacho ao lume poucas suspeitas levantava. As cascas e sobras só lembravam o pouco uso que tinha no caldo e o muito na engorda do gado. E a massa escurecida pelo ponto do açúcar não mais do que a linhaça da mézinha, que se quer cozida.
Dobrou a massa por cima da compota, à imagem dos "pachos", e cozeu-os no forno sempre quente a qualquer hora do dia. Despachou-se em seguida a escondê-los debaixo do catre da sua cela.
No caminho cruzou-se com a Madre Superiora. No meio da escuridão a abadessa pergunta-lhe o que leva no tabuleiro. A velha senhora ainda empina o nariz para ver se o adivinha pelo cheiro. Diz-se que na falta de um ou outro sentido os restantes se apuram, mas nesta apenas o ouvido era de tísica.
A resposta, depois de um primeiro engasgar, soltou-se logo. Era tudo em nome das duas santas, a da "receita" e a das rosas, imitadas nesta aspiração de ser igual quando se professa e toma hábito e voto:
"São pachos de linhaça Irmã Madre... para os meus doentinhos que amanhã virão".
Dali para a frente, e já Irmã Imaculada de Jesus, fez sempre que podia, houvesse ou não olho tumefacto, gretado, remeloso ou negro de um qualquer sopapo de briga de feira, os "pachos" de abóbora.
Não eram muito agradáveis à vista mas, ao menos, satisfaziam-lhe a gula e calavam na profundeza da alma o pecado que não sentia porque, comendo-os na escuridão da cela e da noite, sabia, porque o tinha ouvido dizer, que "do que não se vê não se peca".
Da evolução dos pachos de abóbora para os pitos que no dia de Santa Luzia se celebram, não rezam as crónicas consultadas, e outras não há que o confirmem ou desmintam.
Vá lá a gente saber o porquê de uma história que, tendo origem tão santa, se vê, talvez na lucobricidade dos Homens, transformada num ritual de trocas e promessas. O pito é dado a quem, de outro santo e outro doce - as ganchas de S. Brás - a deram antes para receber aquele agora.




Pitos de Sta Lúzia - receita



Ingredientes: Massa : Farinha; Água; Sal; Ovos. Recheio: Abóbora; Açúcar; Canela.

Mistura-se a farinha, os ovos, o sal e a água até obter uma massa consistente. Forma-se uma bola com a massa, polvilha-se com farinha e deixa-se a massa a descansar. Durante o tempo de espera, prepara-se o recheio. Coze-se a abóbora e passa-se pelo passe-vite. A este puré é adicionado o açúcar e a canela. Estende-se a massa com o rolo e cortam-se os quadrados de massa, colocando- se no centro destes uma colher de recheio. Juntam-se os cantos do quadrado formando uma trouxinha. Levam-se ao forno num tabuleiro polvilhado com farinha.


Enquadramento histórico: Os pitos de Santa Luzia foram inventados por Ermelinda Correia, que veio a ser mais tarde a Irmã Imaculada de Jesus, natural de Vila Nova em Vila Real.

Esta rapariga tinha um defeito: era muito gulosa. Este facto obrigou seus pais a enclausurarem-na no convento de Santa Clara, na esperança de transformar o pecado em virtude. A Irmã Imaculada tornou-se devota de Santa Luzia, padroeira dos cegos e das coisas da vista. Um certo dia estava a irmã aplicar os curativos nos seus doentes (feridas, contusões e inchaços nos olhos), com uns pachos de linhaça, que eram uns quadrados de pano cru onde se colocava a papa, dobrando as pontas para o centro para não verter a poção - usados como pensos para os ferimentos, quando de repente teve uma visão. Correu para a cozinha e fez a massa de farinha e água e cortou-a em pequenos quadrados. Tinha consigo o cibo do açúcar que lhe cabia na ração, e fez uma compota de abóbora. À imagem dos pachos dobrou a massa por cima da compota e levou ao forno a cozer. A seguir despachou-se a esconde-los, pois estava proibida de ser gulosa. A caminho cruzou-se com a madre superiora que era cega. A madre perguntou desconfiada, o que leva no tabuleiro, cheirando o perfume adocicado a Irmã Imaculada, apressa-se a responder que são pachos de linhaça para os doentes do dia seguinte. À noite na cela, a irmã Imaculada sossegou a alma, e não sequer se sentia culpada, pois sempre ouviu dizer que "do que não se vê, não se peca" .
Época de Confecção: Todo o ano como especialidade. O dia 13 de Dezembro consagra à Irmã Imaculada de Jesus a criação destes doces regionais, e ainda hoje é celebrada esta tradição, na capela de Vila Nova.