sexta-feira, 14 de novembro de 2008

"É necessário resistir" Graça Morais


No Verão passado, Graça Morais não teve descanso. Refugiou-se no silêncio do seu ateliê de Trás-os-Montes e, de manhã à noite, trabalhou, concebendo um conjunto de pinturas e desenhos que corporizam, de novo, os corpos das mulheres da sua região e, principalmente, o rosto esguio, belo, da sua mãe, Alda, que simboliza, na obra da artista, a Terra.
Corresponde mesmo, segundo confidenciou a pintora nesta entrevista, ao "espelho de uma personalidade intensa, própria da identidade feminina da minha região".

O resultado deste intenso, quase obsessivo, diálogo entre Graça Morais, as telas, os papéis, os óleos e os pastéis é a exposição que inaugura hoje, às 18.30 horas, na Galeria do Jornal de Notícias, no Porto. São trabalhos recentes que proporcionam uma perspectiva rigorosa sobre a obra daquela que é considerada uma das maiores pintoras portuguesas, que garante que "é necessário resistir e insistir com coragem, porque vivo num país com um espaço físico mental e económico muito reduzido". A mostra está patente até 14 de Dezembro.


Em que consiste esta exposição? Que temas privilegia?
Esta exposição é constituida por oito telas a óleo e 23 desenhos sobre papel. Foram realizados no meu ateliê de Trás-os-Montes e resultam de uma reflexão sobre o quotidiano das pessoas que me rodeiam, associando imagens que recolho dos média com objectos e formas da natureza.
A mulher rural ainda surge como protagonista na sua obra. Porquê? Qual a mensagem?
Estes quadros são representações de rostos humanos, máscaras que pertencem ao mundo da montanha e que vivem numa luta diária com uma paisagem rude e harmoniosa.
A sua mãe é um dos seus modelos mais frequentes. Porquê?
A minha mãe simboliza a Terra. Sinto uma grande identificação com o seu rosto, espelho de uma personalidade intensa, própria da identidade feminina da minha região.
Cria, muitas vezes, uma espécie de metamorfose entre mulher e bichos, nomeadamente gafanhotos e pássaros. Qual a relação?
Neste lugar, cohabitam, numa profunda simbiose, animais e homens. A metamorfose entre a mulher e as formas animais é sempre o resultado da transformação da matéria, está associada à memória e ao tempo.
A sua linguagem mais fiel é o desenho ou a pintura? Com qual se sente melhor, ou seja, mais autêntica?
Sinto uma relação muito profunda e imediata com o desenho. Rabiscar é encontrar imagens, é encontrar-me num jogo de descoberta, de grandes surpresas.
Como surgem os temas no seu trabalho? A guerra e a violência já foram tratadas na sua obra. Tratou-as, essencialmente, como forma de denúncia?
Estou atenta a tudo o que se passa à minha volta, seja no meu pequeno mundo, seja no planeta que habitamos e a minha pintura resulta de imagens fragmentadas dessa realidade.
A sua relação com Trás-os-Montes mantém-se? É uma relação umbilical?
Pertenço a este lugar, que, desde a infância, me marcou profundamente. Aqui, aprendi a andar, a falar, a cantar, a rezar e as primeiras letras. Também aqui comecei a despertar para o desenho. Mantenho uma relação de grande identificação com este território geográfico e afectivo.
O silêncio, o recolhimento parecem ser muito importantes, talvez fundamentais, no seu momento de criação. Porquê?
É fundamental para mim trabalhar num ambiente de silêncio e absoluta concentração na minha pintura. Nesta fase da minha actividade criativa, ter tempo e silêncio são luxos pelos quais luto com persistência.
Ser mulher/artista em Portugal é complicado nos dias de hoje?
É complicado ser artista, seja mulher ou homem. É necessário resistir e insistir com coragem, porque vivo num país com um espaço físico mental e económico muito reduzido.
O que esteve na origem da criação do Centro de Arte Graça Morais, em Bragança? Está satisfeita com os resultados/adesão do público obtidos nos primeiros meses de existência?
O Centro de Arte Contemporânea recebeu o meu nome por proposta do presidente da Câmara de Bragança, Jorge Nunes, que foi aceite em Assembleia Municipal por unanimidade. Este centro dá resposta a uma política de desenvolvimento cultural sustentável, num projecto transfronteiriço entre as cidades de Bragança e de Zamora. O êxito de público e visitantes nacionais e estrangeiros ultrapassou as expectativas mais optimistas.
Que conselhos dá aos jovens criadores?
Não dou conselhos, sugiro que desenvolvam os seus talentos inatos com muito estudo e perseverança no trabalho.
A crise afecta a arte?
Qual crise? A dos valores éticos? Nas crises económicas do passado, desenvolveram-se interessantes perspectivas de mercado, sendo as obras de arte um valor seguro de investimento.
Em termos futuros, tem já alguns projectos de trabalho?
Não gosto de falar publicamente dos meus projectos antes da sua concretização.
Como encara a questão da morte? Tem medo de morrer?
A morte é inevitável, é uma senhora que não convido para jantar !


in JN

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