Perfeccionista, mas valorizando pouco o trabalho do ponto de vista expositivo ou de coleccionador, Stuart começa por participar em algumas mostras colectivas, como as primeiras dos Humoristas em Lisboa (não integrando já as do Porto), a Exposição dos Humoristas Portugueses e Espanhóis (1920) e a Exposição de Artes Plásticas (1935), mas exporá individualmente, apenas em 1932. “Prémio Domingos Sequeira”, em 1949, manter-se-á figura isolada da denominada “primeira geração dos modernistas portugueses”. Não aderindo completamente à nova linguagem protagonizada por Almada ou Santa-Rita, faz antes a ponte com a caricatura herdeira de Bordalo Pinheiro, e nutrida na estada parisiense de 1912-1913 (onde vê obras de Corot, Seurat e Daumier), afirmando-se como cronista perspicaz e cirúrgico.
Republicano, não poupa porém a crítica a quem a merece e, em 1914, colabora no jornal satírico monárquico O Papagaio Real. Meio de sátira ao poder, a caricatura e a banda desenhada, que inicia em 1916 no suplemento humorístico de O Século com as “Aventuras do Quim e do Manecas”, permitem-lhe um retrato de época crítico das poses da burguesia mundana, às quais contrapõe tristezas e vilezas sociais, personificadas em tipos populares e miseráveis, cujo humanismo o seduz.
Os anos 20 marcam o grande sucesso de Stuart. Em 1921, trabalha para o Diário de Lisboa e para o Batalha. Em 1922, desenha para o ABCzinho, reiterando o sucesso das suas peças nos suplementos infantis. Colabora ainda com A Corja, o Espectro, A Choldra e o Diário de Notícias, a revista Ilustração (a cuja fundação está ligado) e com o semanário humorístico Sempre Fixe. Como gráfico, soma encomendas: da ementa do Bristol Club, aos conjuntos de postais ilustrados realizados para a exposição de 1925 dos Mercados, ou à concepção da publicidade da Sassetti. É assim que, em meados da década, é o artista que contabiliza mais capas de livros e de pautas de música – trabalho gráfico em cuja investigação associa o desenho aos tipos de letra a usar e com o qual ganha dois prémios em concursos internacionais, em Itália e Espanha. Cenógrafo e figurinista de teatro (Teatro Nacional e Politeama), desenvolve actividade no cinema (em 1916, trabalha na adaptação a filme das Aventuras do Quim e do Manecas), passa pela aventura da realização (O Condenado, com Mário Huguin) e desdobra-se como actor, decorador, cenógrafo e gráfico.
Embora antifascista, como clarifica nos trabalhos da década de 30, não perseguirá nos anos seguintes a via do Neo-Realismo, onde poderia ter encontrado família artística, social e política. Os seus entraves à pintura, que admira mas não liberta da ilustração, mantêm-no circunscrito ao exercício do desenho para periódicos. Talvez também por essa actividade constante, não se dividindo em décadas e expressões ou estilos balizados no tempo, a mestria de traço de Stuart, que lhe permite variar os registos, evidencia sobretudo o manifesto desejo de liberdade criativa, nutrido por enorme apetência experimental.
A sua própria vida, na qual o sucesso convive com o alcoolismo e a instabilidade financeira, leva-o à experimentação de materiais inesperados, não ortodoxos, como suportes ruinosos recuperados dos restos da cidade (papel de embrulho, tampas de caixotes), e até de alguns materiais de desenho, de que se destacam os fósforos queimados com que frequentemente traça composições. Profundo conhecedor do basfond lisboeta, fixa da capital um registo que cruza com o seu, servindo-o com resultados surpreendentes no uso da mancha (tantas vezes feita com café ou com vinho) e de texturas, na definição ou languidez da linha, nos ritmos do traço. Assim, elegante na ilustração, essencial na caricatura, cada personagem de Stuart detém, na representação, os conceitos que a ela estão associados. Negra e violenta, a miséria, como o vício ou a solidão, é caracterizada em traços rápidos e rugosos, gastos ou recortados, no contraste de preto e branco.
Se a heterogeneidade do seu desenho dificulta a definição da obra por décadas, arrisquemos, como elemento de unificação, a revelação de uma Lisboa contraditória e viva, inteira, elegante por vezes, amarga outras mais. Como se vê em Guardado está o café para o quem o há-de pagar (1927, usado como ilustração no ano seguinte). No desenho está tudo: os contornos certeiros e rápidos definem uma figura feminina, recortando-a do vazio do fundo.
Na negrura do olhar e no desafio da pose cinematográfica, cosmopolita, erotizada, fica clara a afirmação do seu poder, logo negado pelo traço “raspado”, cuja parca incisão de negro, a prometer diluição, sublinha o silêncio, permitindo que se insinue a ironia sobre a solidão.
Fonte: EMÍLIA FERREIRA
Fundação Calouste Gulbenkian
Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão
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